Ela chegou e sentou-se ao meu lado, o corpo trêmulo do frio
O fogo a nossa frente crepitava levemente
Iluminando seus olhos, diretos, espertos, com um forte brilho.
Olhei ao meu redor e percebi que não sabia como havia chegado ali
A floresta era fechada, mas ventava como se estivéssemos no topo do mundo.
Em volta só havia escuro, nem as estrelas no céu piscavam
Era como se não houvessem detalhes no ambiente
Só no rosto dela
Eu podia ver os menores poros em sua pele
Podia contar cada cílio acima daqueles olhos,
Que, quando perceberam que estavam sendo analisados, viraram-se pra mim
Ela sorriu, como se pudesse ler minha mente, e disse:
"Estava pensando aqui, há quanto tempo não me sentia em paz assim
E ao mesmo tempo tão inquieta."
"E o que está deixando essa mocinha inquieta?" -- pergunto, desviando o olhar e erguendo a sobrancelha.
"Não sei ao certo. Tento fazer fazer muito e não consigo dizer "Não" pra alguém."
Eu olho pra ela de novo e estico os braços para frente, enquanto o rosto dela vai se transformando numa expressão de dúvida.
"Deus não nos fez com braços longos o bastante pra abraçarmos o Mundo, veja" -- digo, tentando alcançar, em vão, o fogo que ainda queimava a nossa frente.
Ela ri da minha tentativa falha e volta a me encarar, como se soubesse o que estaria por vir.
Eu a envolvo em meus braços e completo a minha frase:
"Mas Deus me fez com braços longos o bastante pra abraçar você."
Ao sentir a firmeza do meu abraço ela relaxa, e acabamos dormindo ali mesmo.
O fogo diminui a própria temperatura até apagar, e o ambiente esfria-se.
O vento aumenta de intensidade
Eu acordo, mas não posso abrir os olhos
Olhos
Mesmo com os olhos fechados eu posso ver os dela, ainda queimando, lanternas vivas que combatem a escuridão da alma.
De repente eu sei quantos cílios ela tinha, eram quarenta e dois.
Abro os olhos e estou na minha própria cama
É apenas mais uma noite em que sonho com ela.
Olho pro lado e vejo o relógio marcando quatro da manhã
A janela está aberta e a chuva molha todo o chão do quarto
Estou indo fechá-la quando escuto:
"Onde você vai? "
Me viro, atônito, pra tentar ver de onde vinha aquela voz suave que mais parecia vir dos meus sonhos
Ela estava lá.
