Acordes: Cap.5 (Mí Maior)

Primeiros capítulos em Histórias.
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Como eu parecia um pinto de molhado, segui o rumo para casa. Mas aquela gatinha não saía da minha cabeça. Levei dezoito anos para vê-la pela primeira vez e provavelmente vou levar mais dezoito para encontrá-la novamente - pensei.
O que eu vejo hoje como trágico, é que levei só mais um dia.
Manhã de sábado, um pouco anormalmente gelada. Havia acordado mais cedo devido ao nervosismo do bendito festival. Tentei ligar para vários amigos e amigas mas todos já tinham alguma coisa com que se preocupar.
E cada vez que eu esvaziava a cabeça aquele rosto vinha à tona, como se me perseguisse, como se precisasse de mim.
Por isso resolvi sair de casa. Pra variar, levei o violão comigo.
Inconscientemente, andei pelo mesmo caminho na qual eu a encontrara noite passada - com uma mistura de ânimo e também de ansiedade - tudo isso fazendo um turbilhão no meu estômago.
Imagine só como me senti então, quando vi aqueles cabelos ruivos com um brilho estonteante à luz do sol,  aquelas mãos tão delicadas formando os acordes, e aqueles olhos que eu não podia ver ainda - fechados, mergulhados em seus desejos mais ocultos, em seus pensamentos mais únicos.

Quando me dei conta, percebi que havia parado de andar. Puxa, eu não conseguia nem rir da minha própria timidez. Tomei coragem para ir à frente.
Não ainda não.
Acho que vou voltar pra casa.
Mais dezoito anos pra ver ela?
Linda do jeito que é já deve ter namorado.
Ou posso ser o primeiro.
Meu Deus o que eu faço?

Acho que Ele me ouviu.
Ela, pelo que pensei, deveria ter terminado a música que tocava. Abriu aqueles lindos olhos que primeiro olharam para o chão a sua frente. Desacostumados com a luz, suas sombrancelhas franziram por um momento, e foi a coisa mais inocente que já vi. Então ela me viu, ali, parado. E sorriu.